Analívia Cordeiro ( An )
Cybele Cavalcanti ( C )
Solange Arruda ( S )
AN- Você não sabia; mas sabia. Esse tipo de saber que a Dona Maria ensinava, que era o saber do movimento, não era racional, é justamente aí que eu acho que está o grande valor dela.
S- Por que aplicamos na vida, isso era uma coisa que você levava para fora da sala de aula.
AN- Ah sim, sem dúvida, era uma capacidade de adaptação que aprendemos. Imaginem no mundo de hoje, como a gente não usa isso a cada minuto.
C- E, é essa coisa da segurança que a improvisação dá: você sabe que você sabe fazer aquilo.
S- Você confia, tem uma confiança no seu sentimento.
AN- Exato.
S- Você confia no que você sente. Eu acho que isso era o principal da Dona Maria: ensinar você a ter confiança no que você sente.
AN- Solange, você está falando do teu acidente, né?! É importante você contar aqui, que se você não tivesse montado antes do acidente, essa rotina, dentro de você, de confiar no que você sente, você nunca iria se reconstruir.
S- É, eu quero lembrar que, quando eu quebrei a coluna, na época o Takaoka veio com um lápis e papel pra mim... começar outra outra arte, artes plásticas, por que eu tinha quebrado a coluna? Eu falei: -“Não, eu não quero fazer nada! Eu quero fazer dança! E, uns dias depois, veio a Dona Maria. Eu estava organizando os meus currículos, ela veio e me disse: -“Eu sou um exemplo pra você. Você pode continuar a sua carreira de dança, através da vida, você tem muito pela frente! Não desista por que quebrou a coluna.” Isso foi como um conselho vital, né?! Por que eu me agarrei a ele. Uns meses depois, eu mostrei pra ela uma dança que eu fazia quase toda sentada... depois, trazia o público pra dançar comigo,como nas danças coral que eu mostrei pra Dona Maria. E ela tinha essa de dar uma atenção pra cada aluno, pras histórias de cada aluno, para profissão, para o que estava fazendo na escola, de dança sempre, né?!
AN – Eu sou filha do meu pai, que era concretista radical, cheio de dogmas, briguento pelas idéias dele, que aquilo era assim e ponto final. Dona Maria, o contrário. Ela mostrava que o mundo tem uma pluralidade imensa, que o mundo tem lugar pra todos, né?! Todos os tipos. Então, ela quer dizer, eu vivia uma coisa em casa e outra na da Dona Maria, totalmente diferente. Acho incrível, por exemplo, quando a Juju ( Juliana Carneiro da Cunha ) veio ao Brasil com aquele solo Tereza D’Avila... Imagine só! Ela apresentou na primeira parte, o solo, e eu, como segunda parte, apresentei minha dança com um computador. O público vinha lá, (olha só que louco), o público entrava, assistia aquele solo dramático, de uma mulher religiosa, os dogmas, a coisa da sexualidade…
S- A histeria.
AN- Isso na primeira parte e como segunda parte, assistia um vídeo, todo montado no computador absolutamente racional e frio. Me diga uma coisa, pra nós que conhecíamos e sabíamos que o mundo era cheio de pluralidade, conviver com isso era lógico! Mas e para o público …?
S- Dona Maria ia de A a Z. Ela permitia esse campo de ação.
AN- Eu acho que a palavra nem é “permitia”, eu acho que ela vivia isso, ela acreditava, era uma filosofia, ela acreditava nessa pluraridade, era uma atitude. Por que ela teve uma educação alemã: com as coisas organizadas. A Lisa, que foi também a mestra dela, era alemã, e a Lisa como você falou, na hora que ela viu você fazendo a ponte , grávida, ela te tirou da aula, porque ela achou que você não poderia fazer ponte, grávida e te colocou sentada. A Dona Maria deixaria você fazer. Quer dizer, que ela tinha aquilo como uma filosofia. Acho que não era só sem querer, ela acreditava naquilo como sistema. Tanto que, no mundo inteiro, gente, olha que a gente circulou! Você circulou, você circulou... Eu nunca vi ninguém permitir tal grau de liberdade, de improvisação, como a Dona Maria! Mesmo que os parâmetros que se colocam em improvisação, normalmente, são parâmetros tão fechados que você praticamente funciona como um ordenador de idéias. Mas, a Dona Maria?! Ela vinha com uma poesia que ela nem explicava direito... E ela deixava você dançar,prá ver o que ia acontecer…
C- E ai, muitas vezes, ela dizia: -“Olha! Não era nada disso. Mas... Tava ótimo!” Várias vezes ela falava isso. Era lindo, maravilhoso, ótimo! Então, de certa maneira, a gente refletia sobre o que é que ela queria, e você liberou aquela energia em forma de movimento.
27 de julho de 2008
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